Se você não estava debaixo de uma pedra nos últimos dias, deve ter visto a nova trend do momento: pedir ao ChatGPT para gerar uma imagem sua no estilo do Studio Ghibli, lendário por produções como A Viagem de Chihiro, Meu Amigo Totoro e Ponyo. Aposto que você já fez uma de você com a sua mãe. Eu não vou julgar. Pelo menos não neste parágrafo.


É feio? Sim, é feio. Mas você não é o grande vilão da história. Claro, ajudou a disseminar uma ferramenta que temos pouco controle e cria uma ilusão de que IA generativa é inofensiva, mas eu vou aplicar aqui a Lei Divina: se você não sabia, não precisa passar no Inferno antes de chegar nos perolados portões do Paraíso.
Uma coisa é você, no seu cantinho, fazer uma arte de IA porque viu na internet e todo mundo está fazendo. Você não quer ficar de fora. Seja por FOMO ou por ignorância no assunto, não sei. Jogou um prompt no ChatGPT, achou bonitinho, postou. Até aí, inofensivo.
Outra coisa é ser uma pessoa com um número considerável de seguidores e, além de aderir à trend, defender com unhas e dentes que a IA é melhor e mais rápida que artistas reais, que estudaram por anos.
E ela é rápida. E, de vez em quando, até melhor. Mas não é independente. E é aí que começa o problema. A IA é uma ladra.
‘Nada se cria, tudo se transforma’
Lavoisier (1743-1794) falava sobre a Lei da Conservação de Massas, mas a ideia serve aqui. A IA rouba informações, obras de arte reais, sem consentimento e sem compensação, por mais redundante que isso seja. Para gerar “arte”, precisa de uma base de dados enorme, alimentada por imagens e estilos de artistas que nunca deram permissão. Veja:


O problema é ético. Sabe-se lá quantos dias Hash passou pintando sua arte original, só para ser copiada na cara dura por um auto-declarado “artista” que usou IA para vencer uma discussão. Isso abre precedentes para muita coisa: como propriedade intelectual e desinformação.
A base de dados das IA está lotada de trabalhos não licensiados e públicos de fotógrafos, artistas, atores, dubladores, escritores, acadêmicos; e explorando comercialmente conteúdo roubado.
Consegue ver o que eu vejo? A imagem gerada por IA é vazia. Você bate o olho e sabe: “ah, essa foi feita pelo prompt do Studio Ghibli no ChatGPT”. A outra, a original, tem técnica, emoção, significado e memória. A IA é falha e sem alma. E arte, por definição (minha definição, a única que importa), é a expressão da alma humana.
Criar com amor e dedicação é mais valioso do que qualquer imagem artificialmente perfeita. A IA não comunica nada. Não tem mensagem, sentimento, nem intenção. Você não está dizendo nada
E eu não vou nem comentar a parte que ela tira empregos de designers e artistas, falar isso é dar murro em ponta de faca já que estamos nesse debate desde a Revolução Industrial.

Impactos: Meio Ambiente, Conteúdo Adulto e Desinformação
Além de feia, a IA é vil e não representa o avanço tecnológico que tentam vender. Compará-la às câmeras digitais é um jogo de cintura desonesto. A fotografia democratizou a arte, gerou novos meios de expressão. A IA, por outro lado, precisa de bases de dados gigantescas com arte roubada e é usada, majoritariamente, para fins ilegais.
Estudos já apontam os impactos reais da IA generativa: criação de imagens de abuso infantil, deepfakes pornográficos de mulheres, disseminação de desinformação. Quem mais sofre com isso? Mulheres, cujas imagens já estão sendo inseridas em avatares 3D de conteúdo adulto. Quem diria que o avanço da tecnologia sem regulação e o crescimento dos discursos misóginos causariam isso? (Eu diria).
E os impactos não são apenas sociais, mas afetam drasticamente o meio ambiente. Um texto do ChatGPT de 100 palavras consome pouco mais de meio litro de água por geração, visto que as grandes máquinas que mantêm os softwares “inteligentes” precisam ser resfriados. Isso também foi novidade pra mim, que não entendo nada de tecnologia fora o básico. Se você pedir para refazer o texto, o famoso “resuma mais”, já foi um litro. Para você ter ideia, este parágrafo teria bebido meio litro se tivesse sido gerado artificialmente, ainda bem que não preciso de máquinas sem pensamento crítico para escreverem por mim.
O que mais me irrita? Os “artistas de IA”. Gente que lucra criando prompts e se achando criador. Geralmente incels de direita (porque incel de esquerda se chama “esquerdomacho”), tão patéticos que até para se defenderem são ridículos.
Um desses gênios, o Teej, criou uma carta falsa do Studio Ghibli ordenando que imagens de IA fossem removidas. E muita gente acreditou, porque a carta… foi gerada por IA (provavelmente o queridinho ChatGPT). Precisaram de uma Nota da Comunidade para desmentir o documento.
Acabei de receber esta ordem de cessar e desistir do Studio Ghibli. Os criadores de IA merecem proteção, não punição. A expressão é sagrada. A imaginação não é ilegal. Se eu tiver que ser um mártir para provar isso, que assim seja. Estou montando uma equipe jurídica. Empresas que acreditam nessa luta, entrem em contato
Esta carta é falsa. Não há registros de uma “Sakura-Hoshino LLP” já existente. O endereço de e-mail não é válido.
Além disso, o número de telefone é falso, como evidenciado pela inclusão de “555”.
É ridículo, é vergonhoso um negócio desses.
Studio Ghibli
A trend das imegans nem é tão Ghibli. E você não precisa ser um grande fã do Miyazaki para ver isso, eu mesmo vi dois filmes só. Dois filmes conseguiram me mostrar que cada obra tem um design diferente, mesmo sendo do mesmo estúdio, com detalhes intrísecos e personagens impressionantes. De O Túmulo dos Vagalumes a’O Castelo Animado, é completamente diferente e igual. Enquanto a inteligência artificial é sempre o mesmo padrão sanitizado sendo regurgitado repetidamente a cada prompt.

O último filme do estúdio levou 10 anos pra ser feito, desenhado pedacinho por pedacinho, com toda dedicação. Além de ter uma mensagem que valoriza a criação em si e faz você pensar como que a gente está lidando com a arte atualmente. A trend da Ghibli I.A é uma cuspida na cara e na arte de Hayao Miyazaki.
Eu não acho que a I.A deva sumir das nossas vidas, ela pode ser uma excelente ferramenta. A inteligência artificial tem que ser treinada para fins benéficos. Ainda há chance, já temos uma que reconhece câncer no seu estágio mais primitivo, antes que ele possa fazer o mínimo de estrago num corpo humano.
E pra isso que a inteligência artificial serve! Eu quero uma I.A pra lavar minha louça pra eu poder escrever, e não uma que escreva pra mim pra poder lavar a louça.
Cade a I.A que me ajuda a dormir? Cadê a I.A que calcula meus impostos? Cadê a I.A que ajuda pessoas desempregadas a encontrar um emprego decente? Cadê a I.A que antecipa desastres climáticos? Cadê a I.A que localiza e recolhe lixo oceânico? Cadê a I.A que realmente facilita nossa vida? Cadê a I.A que nos foi prometida?
Não tem sugestão de Música. Tô bolado.
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