REVIEW: Ebony é extraordinária, honesta e transparente em seu novo disco, KM2

Em KM2, Ebony nos apresenta Milena — e é um prazer conhecê-la.

A cantora e rapper fluminense Ebony lançou, na primeira quinzena de maio, seu terceiro álbum solo, KM2, uma referência direta à sua cidade natal, Queimados (RJ). Com uma capa singela e um título carregado de emoção, o disco marca uma nova etapa em sua vida e revela outras facetas da sua personalidade — mas sem abandonar a ‘boazuda’ que já conhecemos. Ouça o disco aqui.

Ebony (KM2)
Terapia, seu segundo álbum, foi reconhecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte como um dos 50 melhores álbuns nacionais de 2023 | Foto: Divulgação/Foto: Felipe Gomes

Em KM2, Ebony aparece mais séria, direta e reflexiva. Ela resgata suas origens e respeita de onde veio, sem romantizar nem condenar o passado. Ela o aceita — e escolhe se fortalecer a partir dele. Mostra que, apesar da origem violenta e dos dedos que apontavam dizendo que ela “não conseguiria”, ela foi lá e fez. Ela canta:

Consigo ver os bofe tudo em choque, olhando pros amigo
Com cara de: Deus, vai ser difícil por defeito nisso
Eu sei que é confuso, uma garota é o melhor rapper vivo

– Roubando Livros | Ebony

E, de fato, ela se consagra como uma das maiores do rap — arrisco dizer, tanto no feminino quanto no masculino. KM2 alcançou 1 milhão de reproduções em apenas dois dias após o lançamento. Nas redes sociais, fãs comentam que o álbum não tem skips (faixas que costumam ser puladas) e que não há uma composição ruim.

Na faixa de abertura, homônima ao álbum, Ebony já avisa que não será uma escuta fácil. A ambientação é enriquecida por sons captados em Queimados, na Baixada Fluminense — elementos que reforçam o tom quase documental da obra. É forte, assustador e perigoso. Lindo.

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KM2 é um trabalho em que Ebony exerce controle total: assina todas as letras, lidera a produção e convida vozes que ampliam a potência do disco. Black Alien deixa sua marca em ‘Vale do Silício’; LARINHX participa da introdução da faixa-título, trazendo uma camada introspectiva e sensível, além de integrar a equipe criativa; e Késia se destaca na produção em ‘Extraordinária’, faixa que remete às vivências religiosas da artista e suas raízes na igreja pentecostal.

Com essas colaborações, Ebony promove um encontro não só de ritmos — rap, drum and bass, trance, gospel, funk, indie, MPB — mas também de jornadas pessoais e tons contrastantes. Em entrevista à Foquinha para a DiaTV, ela define o disco como sério, mas também engraçado — “embora não devesse ser”.

‘Não Lembro Da Minha Infância’ é bárbara: sentimos a fragilidade da pequena Milena e a força da Ebony, quase como duas personas distintas. A compositora transparece suas várias faces nas músicas, permitindo ao ouvinte conhecer uma mulher sobrevivente e, ainda assim, feliz com onde chegou. Dá pra sentir isso na forma como canta, no timbre da voz, nas rimas afiadas.

Capa e verso do álbum KM2, um fundo branco com desenhos infantis com várias pessoas, uma árvore e uma igreja
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O disco é transparente — ela não esconde nada, e isso é cativante. Poder “ler” o artista pelas rimas é um privilégio. Claro, Ebony não entrega todas as suas vitórias e tragédias; se fosse esse o caso, seria uma biografia, não um álbum. Mas ela se faz tão presente e visível nesse trabalho que, a cada faixa, nos sentimos mais próximos dela. Eu entendo suas jornadas porque se aproximam com as minhas. Algo assim.

O ponto central de KM2 é a guinada de 180° em relação ao álbum anterior, Terapia (2023). Ebony se afasta da persona hipersexualizada, característico do gênero musical no Brasil, e dá espaço para o sentimento e a conexão. Ela está apaixonada, gente.

‘Gin Com Suco De Laranja’ é sensual, erótica — um convite ao amado para uma noite divertida. A faixa tem rimas excelentes (como todo o disco) e combina com aquele momento de deitar na cama e soltar fumaça para o teto. Já ‘Vale Do Silício’, embora pareça romântica à primeira vista, é atrevida. Ela fala de si mesma, das dificuldades da vida, mas sem abrir mão do amor. A letra inclui, inclusive, uma menção direta ao namorado, o ator e modelo Enrico Cardoso:

É hora de fechar o ciclo, hora de elevar o nível
Pra acompanhar a mudança, a vida me mandou o Enrico
A gente transando é tão lindo, tive que gravar um vídeo

– Vale Do Silício | Ebony

Mas apesar do tom mais sereno e sério, Ebony não se permite ser diminuída — como ouvimos em ‘Roubando Livros’ ou ‘Festas e Manequins’. Ela sabe que é talentosa e que merece estar onde está. Em trecho da entrevista à Converse, disponível em seu Instagram, disse que nem ela não associava mulher como ela, pretas retintas, em lugares aonde ela chegou.

Sou quem tu não julgava capaz, eu tô rica
Agora, quando eu passo, seu bonde nem pia

– KIA | Ebony

Mesmo com as mudanças, Ebony ainda se permite ser chula — e tá tudo bem. Ela prova, sem esforço, que falar palavrão e ousar no conteúdo não a torna menos artista, nem menos a-melhor-rapper-do-Brasil.

Ela tempera com maestria os elementos de sexualidade, história, resistência e agressividade. Eu, particularmente, não sou fã de raps muito violentos — e não que Ebony tenha que me agradar, até porque nem sou o público-alvo dela —, mas acho que ela conseguiu criar algo extremamente equilibrado em KM2.

Se em Terapia ela nos mostrou mais da Ebony Bitch, em KM2 conhecemos, enfim, Milena Pinto de Oliveira. Como ela mesma disse à Revista Quem:

Esse álbum vem da minha vontade de parar de me esconder
– Ebony (Milena)

E que bom que você decidiu aparecer, Milena. Foi um prazer te conhecer.


Escute o Disco


Veja a tracklist do álbum ‘KM2’ de Ebony

Roubando Livros

  • KM2
  • Parte do Mundo
  • Gin Com Suco De Laranja
  • Festas e Manequins
  • Vale Do Silício
  • Hong He
  • Extraordinária
  • Não Lembro Da Minha Infância
  • Triplex
  • KIA
  • Roubando Livros
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