REVIEW: ‘Coisas Naturais’, de Marina Sena, está bem acima da mediocridade

Apesar do comportamento, novo disco anuncia que Marina Sena jamais será subcelebridade.

Lançado na noite da última segunda-feira (31), o novo disco de Marina Sena traz 13 faixas que provam o que a cantora mineira está gritando há anos: ela é Artista, com ‘A’ maiúsculo. ‘Coisas Naturais’ é o terceiro álbum de Marina e já se tornou febre entre os amantes de música boa.

Capa e verso de ‘Coisas Naturais’, feita manualmente e digitalizada | Reprodução/Redes Sociais

Quase dois anos após o lançamento de ‘Vício Inerente’, Marina retorna às paradas fazendo o que sabe de melhor: arriscar. E se não fosse pelo talento e instinto afiado da cantora, ‘Coisas Naturais’ poderia ter dado muito errado. MPB clássica, nova MPB, reggaeton e experimentações modernas da música brasileira se misturam em uma alquimia perigosa, mas Marina conduz tudo com segurança e classe.

Essa ousadia é rara, e é por isso que ‘Coisas Naturais’, além de denso, quente e pulsante, é singular. Uma amálgama de ritmos que evocam a tropicalidade e o sentimento do latino-brasileiro. Marina argumenta que o Brasil compartilha percepções e uma bagagem histórica com outros países da América do Sul, vindos de uma mesma origem colonizada. Mas eu arrisco dizer que ‘Coisas Naturais’ é, acima de tudo, um disco para o Brasil. Apesar das parcerias intercontinentais e arranjos globais, o calor é brasileiro.

O mundo te sente e você transcende 

E compreende a essência de ser

 De ser você, de se querer” 

– SENSEI | Marina Sena

As faixas ‘Mágico e ‘Doçura são a assinatura final desse resgate da MPB mais antiga, que parecia se perder com o tempo. A cantoria reintroduz essa sonoridade com um toque moderno, carregado de percussão vibrante e uma pegada hippie-latina que obriga o ouvinte a se levantar e dançar.

Ela poderia ter lançado um álbum copiado da estética norte-americana ou mais uma réplica banal de música descartável. Porém, Marina se recusa a ser básica e previsível.

E a cantora não promete, ela entrega. O álbum é ousado tanto de propósito quanto por instinto. Enquanto muitos artistas reivindicam um repertório inspirado por grandes nomes da música brasileira, mas acabam entregando projetos medianos presos a estereótipos gringos do Brasil que alimentam turismo sexual, Marina trilha um caminho autêntico.

O álbum “Coisas Naturais” estreia com 3.9 milhões de reproduções no Spotify, tornando-se o maior lançamento da cantora na plataforma. | Foto: Yanthi Brignol/QUEM

No entanto, até um projeto grandioso pode ter escorregadas. ‘Coisas Naturais’ perde um pouco da força no encerramento. ‘CARNAVAL’ funciona quase como um interlúdio que leva o disco para um outro rumo inesperado, um prenúncio desonesto que não se conecta tão bem com a última faixa, ‘Ouro de Tolo’. Ali, Marina guarda as percussões mais marcantes e fecha com um violãozinho de fundo de boteco, perfeito para beber uma cerveja gelada. Não é ruim, mas parece distante da proposta inicial do álbum, tanto em sonoridade quanto em narrativa.

Outro incômodo são os feats, que, embora dialoguem com a estética dessa nova era, acabam soando um tanto deslocados. ‘Doçura‘, com Çantamarta, é uma colaboração excelente, mas encerra o álbum antes da hora, deixando uma sensação de final abrupto. O trio hispânico canta em espanhol, mas são Gaia e Nenny que trazem a pluralidade de sotaques e idiomas em ‘TOKITÔ‘, dividindo o protagonismo com Marina e adicionando algumas camadas que podem tornar a faixa menos digestível para alguns ouvintes. Mas Marina Sena já deixou claro: ela não está aqui para agradar. Depois de alguns copos de geladinha e um gingado de cintura, ‘TOKITÔ‘ pode acabar soando mais palatável – ou não. E tá tudo bem.

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Ainda assim, Marina Sena segue inovando e abrindo espaço para sua própria identidade, criando o seu próprio estilo musical. Esse movimento já havia sido anunciado no single ‘Numa Ilha’, lançado em dezembro de 2024, com clipe dirigido por Vito Soares e Marcelo Jarosz, estrelado pelo ator Johnny Massaro. A faixa, sensual e romântica, é uma dedicação clara, uma carta bêbada de amor, ao namorado, Juliano Floss.

Só quem se deu e sofreu sabe a dor 

Eu não quis nunca mais nem saber de amor 

Mas quando você chegou, foi um combo da sorte

– Combo da Sorte | Marina Sena

Veja fotos do casal:

O álbum é sincero. Não apenas traduz o imaginário coletivo brasileiro, mas também o mundo particular de Marina. Suas memórias de infância, suas referências no norte de Minas Gerais, sua visão sobre a natureza, a espiritualidade e o anacronismo da existência. Em entrevista ao Spotify Brasil, Marina disse que “‘Coisas Naturais’ é um álbum que valoriza as coisas naturais, as coisas ancestrais, as coisas que te remetem a memórias afetivas”.

E, claro, sua sinceridade já despertou críticas.

Você com aquela menina até bonitinha

Mas tinha cara de santinha, não era das minhas 

Agora que cê tá solteiro 

Vou te mostrar todo o tempero, toda essa malícia

– Desmitificar | Marina Sena

Em “Desmitifcar”, Marina alfineta uma ex-namorada de Juliano, e os haters não perderam a chance de provocá-la, comparando o número de seguidores e sugerindo que Marina não passa de uma ‘subcelebridade’. Mas sejamos honestos: ela jamais caberia nessa caixinha. Marina Sena jamais será ‘sub’.

Marina Sena é celebridade por definição. Ela é célebre. E não apenas isso. Ela é uma artista e isso é inegável. Com um álbum que mistura tropicália com ritmos modernos brasileiros, ouso dizer que ‘Coisas Naturais’ ainda será muito falado e premiado. E a “aquela menina até bonitinha”? É célebre no que? O que ela fez?

Marina bebe de fontes poderosas, como sua ídola Gal Costa, a quem homenageou no The Town 2023 com o show Marina Sena Canta Gal Costa. Na época, foi criticada por sua performance de ‘Meu Nome é Gal’, com internautas dizendo que ela “não era a nova Gal Costa ou sua sucessora”. Sua resposta? “Vocês que se mordam”.

Marina faz o famoso agudo de Gal Costa. Nas redes sociais, na época, um internauta escreveu: “Os gatos do vizinho 3 da manhã no meu telhado” | Imagens: Reprodução/Globoplay

À Revista Quem, Marina Sena fala um pouco da sua relação com Gal e disse que a multiartista falecida em 2022 salvou a sua vida: “Ela realmente tirou de mim uma mulher incrível, selvagem, loba, muito forte e muito corajosa. Isso é salvar uma pessoa, é tirar um potencial dela mesmo sem saber que está fazendo isso.”

E Marina Sena está certa. Ela jamais será Gal Costa. Porque Marina Sena é Marina Sena. A artista que está devolvendo o Brasil a si mesmo. Ela é o feminino, o selvagem, o mar e a música. E, acima de tudo, uma das maiores artistas do cenário atual.

Escute o disco


Veja a tracklist do álbum ‘Coisas Naturais’ de Marina Sena

  1. Coisas Naturais
  2. Numa Ilha
  3. Desmitificar
  4. Anjo
  5. TOKITÔ
  6. Sem Lei
  7. SENSEI
  8. Lua Cheia
  9. Combo da Sorte
  10. Mágico
  11. Doçura
  12. CARNAVAL
  13. Ouro de Tolo

Leia mais de Gustô Alves:
Coluna ‘Opiniões e Relatos que Ninguém Pediu’

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