Uma das dinâmicas mais fascinantes no mundo é a relação entre fã e ídolo. Há algo de único em admirar, amar e até se tornar obcecado por alguém que, muitas vezes, nem sabe da sua existência – mas que, paradoxalmente, pode retribuir esse amor de forma genuína.
Mas como a vida não é um grande morangão, sempre tem aquele fã que vai além do esperado e do aceitável. Aquele que se torna tão compromissado em amar o ídolo que considera quase como um segundo emprego – ou até o primeiro, em muitos casos. E a internet está cheia disso, conseguimos ver essa devoção com clareza em muitas redes sociais. Não é atoa que foi criada uma categoria só pra gay que defende com unhas e dentes – e racismo e misoginia – a sua diva pop: o gay de charts.

Eu, particularmente, sou um fã medíocre. Modéstia à parte, sou muito empregado e ocupado para perder tempo em redes sociais me vangloriando porque uma pessoa, com quem não tenho absolutamente nenhuma relação, conseguiu o Top #1 Global por gloriosos 48 minutos. Minha dedicação aos artistas que consumo é econômica, por assim dizer. Sei o básico-do-básico sobre eles e, no máximo, minha “obsessão” consiste em ouvir o disco novo em looping até enjoar.
E eu, mais uma vez, modéstia à parte, pertenço a um grupo muito marginalizado de fãs: o fã de Jão – ou Lobos, para os íntimos. Para alguém que não gosta de Taylor Swift, ser devoto da “Taylor Swift de cueca” é um compromisso arriscado, quase um ato de rebeldia. Mas esse é um tópico que eu posso abordar mais pra frente ou em outro texto, tô tentando tecer uma crítica aqui, vamos voltar ao maior artista pop masculino brasileiro, por favor.
Vou usar o fandom do Jão como exemplo, mas você pode trocar por qualquer artista que o resultado continua impecável. Existem dois tipos de fãs do Jão. Primeiro, temos o Lobo, aquele fã padrão: tieta como qualquer um, ouve as músicas, pula outras porque apesar de amar o artista tem senso crítico o suficiente para saber que Fim de Festa é descartável, de vez em quando, posta uma AU no Twitter, usa uma foto do Jão como icon e segue com a vida. Tudo bem ajustado, sem excessos, funcionando direitinho. Tudo certo por aqui.
E então temos o Lober, que é basicamente um Lobo expulso da matilha. O Lober é insuportável; ele não possui nenhuma personalidade além de ser uma extensão do Jão. Apesar de o Jão já ser, obviamente, o maior artista pop masculino brasileiro da atualidade, o Lober acredita que ele é o único ser humano digno de prêmios, conquistas e reconhecimento. Para o Lober, o Jão é praticamente um parente próximo – e ouso dizer que mais importante do que a própria mãe. E ai de VOCÊ ousar falar algo sobre ele, o Pedro Tófani (produtor e namorado, um título quase nobiliárquico), qualquer membro da banda ou até mesmo a UFO. Seu destino será só um: morte social e física imediata.

Eu não fiquei chateado porque o Jão perdeu esse prêmio. Para ser honesto, eu nem assisti ao Grammy Latino. Nem sabia que estava acontecendo. Esse é o nível da minha mediocridade, tanto como fã quanto como jornalista. Gostaram?
Mas eu me dei ao luxo de ouvir ‘Os Garotin de São Gonçalo’ e, hoje, entendo por que eles ganharam. O Grammy não considera apenas a relevância do artista; ele também avalia a relevância e a complexidade da obra, musicalmente falando. ‘Super’ é um álbum bom? ? Com toda certeza, o meu favorito. Mas ele é o Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa? Como um Lobo, eu diria que sim, claro. Já como um consumidor de música com um pingo de objetividade, tenho que admitir: ele não supera ‘Os Garotin de São Gonçalo’.

Os Garotin fizeram um álbum que o mercado internacional quer ouvir. A música deles é complexa, cheia de originalidade e de brasilidades. Não estou dizendo que o Jão não é complexo e original – ele é, para o Brasil. Mas, se o cenário internacional quiser ouvir algo no estilo do Jão, eles vão direto no Spotify e escolhem Harry Styles ou Taylor Swift, que pelo menos esses conseguem entender a letra.
Ele é cheio de nuances, sim, e é muito bom no que faz. Mas, para o cenário global, a verdade é que não há nada de novo sob o sol. Eu realmente acredito que ele pode chegar lá, e torço para que chegue. Mas, para isso, ele vai precisar inovar, precisa trazer algo que o mundo realmente quer ouvir. Tem que transformar sua arte em um produto – mas isso já é outra discussão.
O fã trata seu ídolo como um santo, a ponto de qualquer insinuativa de que eles façam coisas normais – tipo, sei lá, usar substâncias ilícitas ou fazer sexo – ser vista como um ultraje. Eu até poderia procurar o tweet, mas é que há uma legião de fãs da loirinha que ficaram REVOLTADOS com a mera possibilidade de ela estar catarrenta por usar cocaína. Como se isso fosse algo impensável para a nossa diva perfeita, né? “Ah mas é uma droga”, se você despersonalizar o suficiente, nem é tão ruim assim.

Eles são perfeitos, mártires, seres absolutos, capazes de tudo e os únicos possíveis. O superfã acredita piamente que, porque o artista é talentoso em UM tipo de arte, ele é automaticamente um gênio em todas as outras também. Eles são multitalentosos, né?

Vamos ser sinceros, sem clubismo? Que carreira como atriz a Taylor Swift realmente consolidou? Eu, pessoalmente, não sou fã da Ariana, conheço mais músicas da loira do que dela, mas ninguém pode negar que a escolha da Ari para interpretar a Glinda foi, no mínimo, brilhante. Ela foi FENOMENAL no papel, apagando qualquer resquício da cantora Ariana Grande deixando apenas Galinda Upland surgir na tela. Isso, para artistas multimídia, é um feito e tanto.
Quando um fã ama um artista, acha que ele deve tá em todas as obras possíveis, que só ele é capaz de alcançar uma nota G10, ou lotar o Allianz Parque três vezes.
E é nessa tratativa quase canonizada que o indivíduo se perde no artista. Os fãs, apesar de amarem seu ídolo, esquecem que, por trás dos milhões de discos vendidos e das letras sensíveis, tem um ser humano real, que viveu experiências reais e, acredite ou não, tem o direito de ter uma vida privada. E, pior, tem o direito de ser imperfeito – como qualquer um de nós, meros mortais.
A Liniker recusou um pedido de fã para segurar um dos troféus que ela ganhou no Prêmio Multishow: Capa do Ano, MPB do Ano, Artista do Ano, Álbum do Ano… E eu, como a pessoa com o maior senso crítico do país (sem exageros), tenho algo a dizer. E, como um bom indeciso, minha opinião é dupla. Escolha qualquer uma delas e considere como sua também. Afinal, opinar é um esporte democrático.
A Liniker é uma grande artista, ela tem vocais, história e uma responsabilidade musical gigantesca. Além disso, tem uma personalidade independente, o que é um milagre no meio artístico. Então, quando uma artista como ela ganha quatro prêmios numa noite – sendo dois deles os mais importantes da premiação – é algo para celebrar. Mas ela não chegou lá sozinha. O que seria de uma artista sem seu fã? Quem mais iria gritar e lotar redes sociais com #LinikerRainha?
O grande pensador e meu colega de trabalho, Weslley Santos, analisou a situação e eu tive que concordar com ele enquanto escrevo este parágrafo – sendo que ontem, eu o destruí no argumento (eu estava completamente errado). Nunca disse que eu era uma pessoa consistente, né? A evolução do pensamento é isso: um dia você é o sábio, no outro, o otário.

Ele disse que estamos entrando no famoso paradoxo de quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? A Liniker é, sem dúvida, muito boa, mas a grande questão é: ela chegaria onde chegou sem os fãs? Os fãs são praticamente o combustível para a fama: notoriedade, defesa, apoio e uma base sólida para o artista. Mas, se ela fosse uma compositora medíocre, sem talento nenhum, ela sequer teria fãs? E cá entre nós, por criar uma arte tão digna, é uma vitória dela ter fãs?. Percebe que uma coisa alimenta a outra? Ou será que estou sendo pessimista demais?
Atletas olímpicos, por exemplo, quando encontram admiradores nas competições, já chegam oferecendo a medalha para segurarem, colocam no pescoço para tirar foto… porque, vamos combinar, não custa nada, né? Agora, a Anitta, no Prêmio Multishow em 2022, mandou um fã representá-la e receber o prêmio de Artista do Ano no lugar dela. Porque pra que receber um prêmio quando você pode delegar a responsabilidade e ainda fazer o fã feliz? Um gesto de pura generosidade e evitar gastar roupa indo no evento. Eu sou a favor da terceirização das premiações.
Ninguém vai roubar seu prêmio de plástico se você deixar um fã segurá-lo por 10 segundos. Ele ainda é seu prêmio, mas vamos combinar, pedir para alguém pegar o troféu é, no mínimo, uma invasão de espaço e uma baita falta de elegância. O fã foi sem noção? Com certeza! Qual fã não é, né? O cenário ideal seria a Liniker oferecer o prêmio com toda sua graça para o fã segurar, ou ele, com a mesma classe, ficar quietinho na dele. Qualquer outra alternativa iria gerar aquele rebuliço delicioso nas redes sociais, como, aliás, já aconteceu. Quem não ama um bom drama online de um problema inexistente?
Eu amo, porque aí tem do que eu falar aqui. Podem continuar.


E por ter sido uma situação controversa, o Brasil reagiu de acordo. Até essa semana, a Jennifer Castro estava sendo ovacionada por impor seus limites e não ceder sua cadeira no avião em nome da ordem e da paz dos passageiros — e, se me permitem um toque de conservadorismo… não custava nada, né? Ela traçou uma linha e não deixou que a ultrapassassem. Então, por que, quando a Liniker faz algo similar, ela é chamada de arrogante e mal agradecida? Agora, de repente, ela não presta? A consistência do brasileiro é de causar inveja.
Tem artista e influencer sendo preso por lavagem de dinheiro e por submeter trabalhadores a trabalho análogo à escravidão, e a Liniker está sendo cancelada por não fazer a vontade de fã? Vamos ser coerentes, né? No ranking dos Trend Topics, alguém se recusar a entregar um prêmio para um fã é claramente o maior escândalo do momento?
Quando se trata de lidar com seres humanos — que são 90% da nossa experiência de vida — é preciso um bom jogo de cintura para evitar aquelas situações constrangedoras e a boa e velha pagação de mico. Mas, ah, ao lidar com celebridades – ou, na melhor das hipóteses, pessoas que se acham celebridades – a coisa se complica. Aí entra aquele samba no pé, né não? Quebrar o cristalzinho da perfeição do artista pode ser complicado, mas necessário. Não podemos normalizar comportamentos tão respeitosos quanto atrasar 1h, 2h em TODO SHOW, como fazem por aí. A arte exige disciplina, e o relógio não pode ser tão flexível assim.

A relação Fã-Ídolo é complexa, como qualquer outra, e também precisa de equilíbrio. Amar e admirar são partes do processo, mas idolatrar a ponto de esquecer que, no fim do dia, o ídolo é apenas uma pessoa como qualquer outra é ultrapassar uma linha tênue entre amor e ódio. O ídolo também tem que reconhecer seu papel e impacto na vida dos fãs, sem esquecer do impacto que os fãs têm na sua carreira — tudo isso, é claro, sem abrir mão da dignidade e da privacidade. Tá vendo como é difícil? Um jogo de malabares em que todo mundo se perde e sai sem saber o que está acontecendo. E eu? Eu me divirto assistindo.
Ninguém é perfeito e ninguém está acima das críticas. O essencial é que fã e ídolo coexistam com respeito e admiração mútua, mas eu não vou ficar aqui com moralismo. O artista não é só sua obra, e o fã não é apenas sua devoção. Quando o fã chega ao extremo no fanatismo, ou ele vira o Mark Chapman e mata seu ídolo ou casa com ele, como fez a Hailey Bieber.
Não que eu vá matar ou casar com o Jão, eu nem considero essas possibilidades, mas se um dia ele se encontrar em situação de ECNI (Estado Civíl Não Identificado), eu tenho interesse.
criei essa newsletter pra alimentar um hobbie. Não me siga nas redes sociais que por acaso é @ogustoalves.
Sugestão de Música!
Ouvindo essa enquanto edito esse texto.
Leia mais de Gustô Alves: Quem EU indicaria ao Grammy