Se você veio aqui em busca de uma crítica sensível e inteligente sobre o filme ‘A Substância’, sinto dizer que vai se decepcionar – não tenho nada muito sensível nem particularmente inteligente a dizer. Para algo mais profissional, recomendo ligar para a equipe da Isabela Boscov.
A premissa de ‘A Substância’ não traz exatamente uma ideia nova; até o cenário brasileiro tem uma série nessa mesma linha chamada ‘A Fórmula’, e essa coincidência gerou um burburinho meio sem sentido na internet. Talvez Nicolas Avansini já tenha abordado essa relação em um dos vídeos do quadro “Existe esse filme no Brasil”, mas é importante lembrar que a ideia por trás do longa é bem comum – tão atemporal que até Heródoto escrevia sobre a famosa “fonte da juventude”.

Na minha concepção – que, convenhamos, é a única que importa – ‘A Substância’ não chega a ser um filme de terror. O body horror pode até aparecer de vez em quando, mas se eu fosse categorizar essa obra, seria como NOJENTA. Que coisa NOJENTA.
A transformação, as costas se abrindo, o fluido estabilizador… tudo isso, para mim, é fichinha – assisti de sorriso aberto. Eu mesmo já escrevi coisas mais absurdas que o Monstro Elisasue. Nada de novo sob o sol para mim. O verdadeiro nojo que sinto em relação ao filme? Os homens.
E não estou tentando ser feminista nem nada, nem levantar questões de etarismo ou expectativas sobre o corpo feminino. Já disse: nada muito inteligente vai sair da minha cabeça aqui. Os homens são só intrinsecamente nojentos. Aquela cena do velho energúmeno comendo camarão no começo do filme me fez GORFAR.

Apesar de nojentos, os verdadeiros vilões de ‘A Substância’ não são só os homens (temos três que importam e um com uma bunda bonita). O filme se dá ao luxo de criar um verdadeiro triunvirato de antagonistas. Vamos falar sobre isso – pegue sua Substância™ geladinha e fique à vontade.
O Telespectador
É isso mesmo: se você acha que saiu ileso e sem responsabilidade nenhuma do cinema, você é um otário! Nós, que assistimos inocentemente ao filme com um balde de pipoca no colo e uma Coca Zero na mão, somos o primeiro vilão.
O público é quem solta um “pô, agora sim” quando Sue (Margaret Qualley) aparece no espelho coberta de gosma amniótica, depois de ARREBENTAR as costas de Elisabeth Sparkle (Demi Moore), o seu corpo original de 50 anos.
É o público que fica com os olhos vidrados na tela ao ver a Sue naquele único collant que ela usa. A filmagem do programa da Sue, os closes ridiculamente sensuais jogados na nossa cara – os seios, a bunda, os quadris; tudo isso é uma armadilha. Não me leve a mal; como homem gay, eu seria o último a sentir atração por um corpo feminino, mas não posso negar que pensei: “Uau, que diva gostosa”.
O antagonismo que é colocado no nosso colo é o tapa na cara que a obra nos dá.
Essa atração que sentimos pelo corpo de Sue, ou pelo personagem do Hugo Diego Garcia, é o motivo de existir a Substância. Isso é o cinema chutando o telespectador pra debaixo da mesa e cortando nosso pau caso ele fique duro (aqui, um pau metafísico para vocês que não possuem um). É o filme nos dizendo: estamos colocando pessoas lindas na tela e se você sentir atração, você é uma pessoa morta.
E aí? Vai tentar a morte?
A Elisabeth Sparkle
Tem uma metáfora no filme, se você quiser procurar, mas eu vou te poupar o trabalho e entregá-la na sua mão, porque eu já procurei e encontrei. Isso é a democratização do raciocínio, gostou? Eu certamente não, porque só me deu mais trabalho.
O segundo antagonista – eu diria até vilão – é o auto-ódio que Elisabeth sente em relação a si mesma (um ódio que foi incutido nela, não algo que já existia). Passamos o filme inteiro na ponta do sofá, completamente irritados com o destrato que Sue faz ao corpo matriz, nos perguntando como funciona essa “consciência” delas.

O próprio Reclame Aqui da Substância S.A., que, por sinal, tem um PÉSSIMO atendimento ao cliente, diz inúmeras vezes que elas são uma só, apesar de não se comportarem como tal. E é exatamente aí que mora a metáfora.
O auto-ódio que Elisabeth (e Sue) sente pelo seu corpo real e pelas coisas que perde por causa disso é tão poderoso e pútrido que a dessensibiliza a ponto de não se ver digna de existir. Ela se tranca em um quartinho escuro, jogada como bosta no sol, escondendo todas as suas roupas e apagando qualquer traço de pertencimento ao mundo. É uma falta de carinho tão vil que ela se maltrata, perdendo toda a ternura consigo mesma.
Isso é a sua queda de Ícaro: ela voa em direção ao sol da perfeição estética, mas seu corpo se deteriora à medida que se aproxima, assim como as asas do personagem do mito grego. Quanto mais tempo ela passa no corpo jovem, sem respeitar o equilíbrio estabelecido pela Substância, mais o corpo matriz se deteriora e o ódio por ele exponencialmente cresce. É um loop sem fim de pressão da imagem do qual ela não consegue escapar, porque é irreversível.

E então, tal qual Narciso (outro mito, ainda grego), ela se afoga. A diferença é que Narciso é lindo e, em certo ponto, Elisabeth se torna um monstro. Mas antes de falarmos sobre isso, deixa eu apresentar o último vilão:
Obviamente, os Homens…
…e é o óbvio, mas precisa ser dito. Temos três tipos de homens em ‘A Substância’: os dois GOSTOSOS que a Sue pega. Aquela bunda redondinha do Hugo Diego Garcia ainda está IMPREGNADA na minha memória, graças a Deus.

Temos também os dois únicos queridos: o cara que apresenta a Substância para Elisabeth e o amigo com quem ela fura o date. Sinceramente, achei o gatinho que dá o pen drive para Elisabeth um divo; não é culpa dele que a Sue seja uma escrota. E ele tinha dado um aviso! Ele perguntou se ela “já tinha começado a comer” a Elisabeth. Quem avisa amigo é.
Tem o querido amigo de infância da Elisabeth, cujo nome eu não vou me dar ao trabalho de procurar. Esse sim foi um must; ele tinha tudo para ser um casalzão com a protagonista (em seu corpo cinquentão). Mas ele, assim como ela, foi vítima de um dos vilões do filme: o já mencionado auto-ódio. E isso eu não vou explicar.
E, é claro, temos o Harvey: o velho nojento que representa tudo o que odiamos em um velho. Não tem uma cena em que ele apareça com aqueles ternos cafonérrimos e mãos engorduradas que eu não sinta nojo dele. Não sei se é o carisma negativo dele ou a clássica misoginia que me faz querer enfiar uma retroescavadeira na minha garganta e morrer. Mas o Harvey é tão insuportável que eu gargalhei no ato final do Monstro Elisasue, só porque ele se ferrou.
Imagina você chegar no equivalente fictício da TV Globo e ver o Boninho levando um banho de sangue na frente de todo mundo, acabando com o especial de Ano Novo? Consegue visualizar o Roberto Carlos e a Anitta escorregando no sangue AO VIVO para todo o Brasil? Eu consigo! E isso sim é um grand finale.
E o grand finale da protagonista, agora na forma de Monstro Elisasue, é um tanto controverso, apesar de hilário (pelo menos para mim, que tive zero empatia e sensibilidade com o filme). A diretora e roteirista, Coralie Fargeat, afirma que esse breve terceiro ato é o momento em que Elisabeth Sparkle se sente livre de tudo.
“Finalmente, é o momento em que ela está livre de seu corpo e aparência humana. Ela não precisa se importar com o que as pessoas vão pensar.”
Mas isso não faz muito sentido, faz? Se ela está tão livre, tão desconectada da própria aparência e da autoimagem (que são coisas diferentes), por que veste uma máscara do seu antigo e original rosto? Por que implora amor ao público dizendo “ainda sou eu?” Eu entendi, Fargeat, a mensagem do seu filme, mas você entendeu?
Longas Considerações Finais
‘A Substância’ é um bom filme, e o que o torna tão eficaz é a familiaridade que temos com o tema. No vídeo de ‘Papinho’ que a Jout Jout tem com Paola Carosella, a convidade conta que na série Black Mirror (2011), o que nos assusta é a proximidade com os temas abordados. E Jout Jout completa: “a gente faz meio que isso, só que só um pouquinho”. O mesmo se aplica a ‘A Substância’.
É evidente que o filme não lida bem com a estrutura de tempo, nem do ponto de vista narrativo, já que se passa em um cenário que remete aos anos 60 e 70, mas utiliza celulares que parecem praticamente iPhones, nem do ponto de vista conceitual. A problemática central do longa gira em torno da beleza e da (auto)pressão estética, questões que nos acompanham há muito tempo. ‘A Substância’ pega esses elementos cotidianos, que já nos tornamos acostumados a ver, e os extrapola ao máximo.
E é isso que o início do terceiro arco nos mostra: a relação tão íntima que temos com o Monstro Elisasue. Tenho certeza de que, se eu abrir meu Instagram agora, encontrarei no mínimo três blogueiras que entupiram suas caras de ácido hialurônico e botox a ponto de não conseguirem expressar uma emoção sequer. E é esse o público que não gostou do filme. Por quê será?

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Aproveita que você está com o site aberto e leia a análise sobre ‘Agatha Desde Sempre’ também, não vai te custar nada.
Susgestão de Música
Tem outra metáfora nessa música.