Nunca fui muito fã do Natal — acho que desde criança. Não consigo me lembrar de ter comprado essa ideia do Papai Noel mágico com renas voadoras, o que já diz muito sobre o meu espírito “festivo” precoce. E presentes? Nunca sabia o que pedir. Ansioso e indeciso, claro, desde que me entendo por gente.
E eu não recebi muitos presentes de Natal. Minha mãe dizia que as viagens no fim do ano eram o presente, o que eu acho um pouco injusto considerando que o itinerário e a programação não passavam nem perto da minha mesa de negociações. Mas, justiça seja feita, mamãe seria uma ótima agente de turismo: pelo menos nos divertíamos subindo em caranguejos gigantes nas orlas de Salinas.

Apesar dos natais semi-praieiros e viagens cujo roteiro era decidido em reuniões às quais eu nunca fui convidado, até que tive bons momentos. Sempre fui tagarela, desde criança, e me divertia invadindo a mesa das mulheres de meia-idade — aquelas que claramente recebiam menos atenção do que gostariam dos maridos — para contar as histórias que eu inventava. Minha mãe? Um mix de vergonha e desespero. Chegava para me tirar da mesa, mas sempre era recebida com um coro de “Nãããão, deixa ele! Quero saber como termina a história!”. Conquistando mulheres desde os cinco anos. O problema é que, hoje em dia, eu não consigo conquistar nem homens. Triste fim.
Essa era a minha diversão: falar— quando você é jovem, quase nada do que sai da sua boca é digno de nota. Exceto, claro, para as divorciadas de meia-idade, minha plateia fiel. Fora elas, ninguém queria me ouvir. Talvez seja por isso que o Natal acabou ficando com esse gosto meio amargo. Uma data “ingrata”, por assim dizer, o que é um tanto irônico, já que deveria ser o dia da gratidão.
Mas, para mim, o Natal também é a data do grande questionamento. Por isso, preparei uma curadoria exclusiva de perguntas sobre a pior data do ano. E quem melhor para oferecer respostas iluminadas do que uma das mentes mais sábias deste país? (Eu).
Já parou pra pensar que o Papai Noel sabe de todos os seus pecados?
Começamos bem. O bom velhinho sabe todos os nossos pecados? Sim… e não. Ele só está de olho nos pecados infantis, que nem contam como pecados de verdade. Vamos combinar. Se formos considerar São Nicolau de Mira, o santo católico que deu origem ao mito do Papai Noel, a infância no século III e IV durava, no máximo, até os oito anos. Chutando alto. Afinal, com nove anos, você já devia ter três terrenos no seu nome, vendido sua filha por duas cabras e uma Coca-Cola.
E os pecados infantis? Totalmente inofensivos… a menos que você inclua as tendências psicopáticas, mas aí já é outro departamento. O verdadeiro crime da criança é, na verdade, o crime da honestidade. Criança não mente. Ainda não existe o contrato social esmagando sua alma e obrigando-a a agradar desconhecidos. Então, ela fala. E fala tudo. O sincericídio é, sem dúvida, a arma mais poderosa da infância — e a mais temida.
Um elogio de uma criança é sempre sincero. E uma ofensa? Bom, uma ofensa de criança é letal. Uma vez, minha irmã mais nova, naquela fase deliciosa dos 4 ou 5 anos, entrou no elevador com minha mãe e uma mulher qualquer. Ela olhou bem para a ilustre desconhecida, olhou de volta para minha mãe e, com a sinceridade de quem não tem filtro, soltou, em alto e bom tom: “Mãe, por que ela é gorda?”
Daí dá pra você tirar de onde vem a minha falta de filtro. É hereditário. Tá na família.
Mas eu, claro, já fui uma criança bem mais caótica — mentalmente falando. Só Deus (e o Papai Noel) sabem o que se passava naquela cabecinha mequetrefe. E, mesmo assim, saí ileso da maioria dos Natais. Milagre? Não, carisma! Ó esse sorrisinho:

Eu lembro o que eu ganhei nessa foto, foi um daqueles kits com vários canvas de papel para pintar um kit super chique, alto padrão, de pintura. Eu nunca fui tão feliz quanto naquela noite.
Não era de dinossauros, como na imagem abaixo, era de Toy Story — o meu filme favorito na época. Eu tinha até um Woody, que eu amava demais. E até hoje, sou apaixonado por ele… apesar de minha mãe ter sumido com o meu boneco. MÃE, CADÊ O MEU BONECO!? CADÊ O MEU BONECO!? Não, sério, cadê? Eu não vou superar isso tão cedo.

Porque o Papai Noel pune as criancinhas sendo que o mal comportamento delas é resultado da má criação dos pais?
Porque ele é um velho. Velho acha que criança é tudo filho da puta. Velho gosta dos anos 60, é tudo saudosista. Bom eram os velhos tempos, onde tinha milkshake e racismo (que, surpresa, continua por aqui)..
E o Papai Noel é ainda mais velho, como já mencionamos, vindo lá do século III e IV. No fundo, ele realmente quer que as crianças se fodam. Para ele, a criança tem que ser comportada, porque se ela for mal-criada e rebelde com os pais, isso significa que ela tem idade suficiente para responder. E, se tem idade suficiente para responder, também tem idade suficiente para trabalhar nas minas de carvão e, quem sabe, comprar o próprio presente.
É por isso que ele deixa carvão nas meias das crianças malcriadas. Não é castigo, é um presságio da vida adulta. Um convite para o mundo real. Uma assinatura na carteira de trabalho.
Emprego ideal para um jovem adulto de nove anos. Concordam?
De onde surgiu a tradição do arroz com uva passa?
No exato momento em que surgiram o arroz e a uva-passa. Como o yin e o yang, eles nasceram um para o outro. O arroz só existe para receber passas e as passas só existem para ser lançadas sobre o arroz. E, cá entre nós, isso é triste. Me entristece profundamente, porque, depois dos gloriosos 10 dias de final de ano, eles se separam para sempre. E o que resta? Um arroz sem graça e passas perdidas, ambos incompletos, sozinhos…
Num Natal, um arroz sem passas é como se o tio Ronaldo chegasse nu para entregar os presentes para as crianças. Além de destruir toda a magia da fantasia natalina, é absolutamente obsceno. Um arroz nu na mesa? Aquela imensidão granulada e sem vida? Não, definitivamente não é isso que o Natal propõe. O arroz com passas tem sua razão de ser: é a intriga do prato, o elemento que mantém o mistério no ar, que faz todo mundo se perguntar: “Será que eu sou o sortudo (ou infeliz) que vai encontrar a passinha?” E quando encontra…

O sobrinho já chega metendo o dedão no rosto da avó: “Que porra é essa? Uva passa no arroz?” A mãe intervém, chama uma tia para defender a tradição. Jesus colocava passas no arroz, tá na Santa Ceia, pode pesquisar. O Natal é isso: é união, é dedo na cara, é tiro no pé. Uma briga que começa por causa da uva-passa no arroz e termina com uma prima sendo chamada de puta, um tio falando sobre política, um debate acalorado sobre se o marxismo é a solução para os problemas do Brasil.
Menos os meus, claro. Meus Natais são bem pacíficos, nada de caos ou debates sobre marxismo. Minha família se junta para passar a virada natalina na casa das mulheres que trabalham no colégio onde minha mãe trabalha e que, por consequência, eu estudei a vida toda. São minhas tias de coração, que me adoram, modéstia à parte, claro, é Natal, tenho que manter a humildade.
Como não tem o vínculo sanguíneo, meu Natal exige um pouco mais de classe e requinte. Não posso simplesmente chegar pra Tia Isma e soltar um “porra, sua otária, colocou maçã no salpicão”. Se eu falo isso na frente de todo mundo, minha mãe já tira uma havaiana embalada, direto da árvore, com etiqueta e tudo, e mete ela na minha boca.
O pavê é pra ver ou pra comer?
Juro que vou cometer um crime contra essa pergunta. Meu plano inicial era simplesmente anexar a parte do podcast da Laurinha Lero, em que ELA responde. Mas eu pensei: não! Seja original, elabore a sua própria resposta. O mundo precisa de mais criatividade, mais autenticidade. Então aqui estou, fazendo a mais grave das escolhas, um mártir natalino: criar uma resposta.
Eu já me arrependi.
Essa pergunta não tem graça nenhuma. A graça dela é o personagem mítico por trás dela: o Tio do Pavê. Mas, aqui está o pulo do gato. Mítico. Não existe, nunca existiu. Eu, pessoalmente, nunca vi um tio fazer essa pergunta. Nunca ouvi sair da boca de um careca brincalhão esse questionamento. E olha que eu tenho um tio careca brincalhão que, sem dúvidas, super seria o Tio do Pavê. Mas, para a tristeza de muitos, meu tio é bem real. E, para minha própria surpresa, ele não passa o Natal fazendo piadinha sem graça sobre pavê.
Eu tenho uma memória muito feliz com meu tio André (um salve). Uma só, é o suficiente. Era 2018, eu tinha recém saído do armário para a minha família nuclear (aquela que mora comigo), mas era aquele clássico de todo mundo sabe, sabe? Eu nunca fui muito discreto e, com certeza, pretendo continuar sendo assim. Se você bater o olho em mim e não souber que eu sou uma bicha invertida sem solução, eu cometi um erro muito grave.
E meu tio, até então, era a personificação do homem hétero com homofobia recreativa. Não é que ele odiava gay, não, meu tio só odeia palmeirenses e caprichosos. Mas ele tinha aquele “Q” de zoação, sabe? Aquele jeitinho de tirar sarro, de fazer graça onde não tem, e eu não suportava isso. Era aquele tipo de piada que te deixa com o dedo na garganta, mas você ri porque ninguém quer ser o chato.
Até que um dia chegamos no Natal, eu lá, comendo minha rabanada do jeito mais delicado possível, tirando a maior quantidade de canela que conseguia. Aí meu tio chega, me olha e solta: “Se alguém mexer com você, você me avisa que eu desço a porrada.” E ali, naquele momento, eu sabia que estava seguro. Ai ai, bela memória natalina homossexual.
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Eu sou meio Grinch em relação ao Natal. Vamos começar sendo sinceros: não tenho absolutamente nada contra a mensagem do feriado. É até fofinha. União, paz, amor… Essas coisinhas boas que, curiosamente, só lembram de aplicar no mundo uma vez por ano – e ainda assim, nem todo mundo, porque é pedir demais. Não consigo imaginar ditadores mundiais trocando presentes.
A mensagem é bonita na teoria, vai. Os americanos se abraçando; os israelitas acendendo as velas da Chanucá com o bombardeio atmosférico em plano de fundo; as tias batalhando pelo controle do pavê e decidindo quem leva a herança da travessa de vidro da família. Natal é um evento global de hipocrisia poética, mas a gente ama isso. Tudo lindo, nos olhos do mundo.

Agora… o que me tira do sério de verdade é a maldita estética natalina. Não dá. De onde tiraram que colocar verde com vermelho, intercalados por um dourado aleatório e umas bolinhas, seria algo bonito? Pra completar, tem aquela plantinha verde com cara de espanador – acho que é guirlanda, mas honestamente, tanto faz o nome. O grupo que fez o brainstorm do Natal tava completamente alucinado na droga pra achar que sininhos e bolinhas fossem uma boa ideia de ornamentação.
A decoração natalina, em geral, é um show de horrores visual. Parece um jogo de quem consegue misturar mais coisas aleatórias numa sala sem o Papai Noel vomitar de desgosto. Vi uma hora dessas no twitter um inflável do bom velhinho segurando um cartaz neon de “Feliz Natal”, e to a três dias acordando em pânico vendo aquele velho me olhar. É isso que vocês chamam de “espírito natalino”? Bom, ele tá assombrando meus sonhos desde então.
É horrível, é feio, é brega, não tem NADA a ver com o Brasil. E não é só no Brasil que me incomoda, eu achei feio em qualquer lugar. Essa estética é FEIA.
E nem me venham com essa de “mas é tradição”. Amado, não existe nada mais fora de contexto do que essa estética no Brasil. Estamos aqui, suando em pleno verão de 40 graus, enfiados numa tentativa grosseira de replicar um feriado de inverno europeu. Os pisca-piscas se derretendo nas paredes da sala e aquele papai noel de pelúcia suando no saco. Literalmente. Eu só queria que, um dia, alguém tivesse a decência de reinventar o Natal tropical. Palha de coqueiro, Papai Noel de chinelo, músicas tocadas ao som de cavaquinho – algo que respeite a realidade, pelo amor de Deus.
É por isso que eu prefiro o Ano Novo. No Ano Novo não tem tanta invenção. Ninguém liga pra guirlandas, bolinhas ou sinos. No máximo, o pessoal capricha em um lookinho branco e se foca no que realmente importa: comer, beber e fingir que vai ser uma pessoa melhor no ano seguinte. Sem maiores expectativas, sem o peso de “espalhar amor pelo mundo”. E, convenhamos, até o som dos fogos de artifício é mais agradável que aquele “PLIM PLIM” de sino.
Mas enfim, chega de falar mal do Natal. Semana que vem eu volto pra exaltar o meu querido Réveillon e contar sobre meus eventos anuais que faço aqui em casa.
Leia também de Gustôpina: Eu me dei nove metas em 2019. Fracassei em todas
Feliz Natal
Sugestão de Música
Ai, gente, desculpa, eu só escuto isso agora.
criei essa coluna pra alimentar um hobbie. Não me siga nas redes sociais que por acaso é @ogustoalves.