Chegou junho. Mês do orgulho. E eu olho ao redor, e tudo o que sinto é… vergonha. Não por ser quem eu sou, Deus me livre, isso eu nunca escondi. Mas vergonha do que a comunidade LGBTQIAPN+ se tornou — começando por esse nome enorme que virou motivo de chacota; tem que mudar. — E, como gay, falo com a propriedade de quem sempre esteve dentro: a pauta morreu. E o enterro foi com glowstick e remix de diva pop.


Sim, já tivemos uma época em que ser gay era sinônimo de ser inteligente. Culto. Crítico. Engajado. Hoje parece que nossa maior conquista coletiva é conseguir três matches no Grindr e saber o top 10 da Billboard decorado. Parabéns, campeões. Lutamos por isso?
Nosso vocabulário se resumiu a três palavras: Poppers, PrEP e banheirão. Enquanto isso, a extrema-direita avança como uma avalanche moralista, e a gente está ocupado discutindo se bi-pan é redundante, se a passabilidade é opressora ou ferramenta de sobrevivência e quem é “problemático” no Twitter. E aí, claro, sobra até pra Erika Hilton — uma das poucas figuras políticas que ainda está tentando fazer alguma coisa pela gente.
Sim, Erika Hilton teve a ousadia de… fazer política. Convidou Oruan, rapper em ascensão, para um diálogo. Um garoto com voz de liderança, que fala com as massas, que tem poder de influência aonde a nossa voz ordinária não consegue chegar. E, vejam só, ela está CERTA. Mas não: o tribunal da pureza entrou em surto. “Ele é homofóbico! Ele é transfóbico!” – Gente… vocês sabem o que é política? Acham que revolução se faz com gente que pensa igualzinho a você e curte os mesmos tweets? Política é sobre construção, não purismo moral. Se fosse pra conversar só com quem tem 100% de alinhamento, Erika ia passar o mandato inteiro conversando com o espelho.
E não, a decadência da comunidade LGBT não começou nesse tweet. Basta ligar a TV. Anos atrás, a Globo batia no peito pra dizer “mostramos o primeiro beijo gay em horário nobre”. Hoje, nem isso. Cederam ao conservadorismo, como quase tudo nesse país. E o que a gente fez? Discutimos no Twitter se homens gays podem beijar homem trans, se o gênero ‘boyceta’ é válido. Gente, não dá.
Criou-se uma rivalidade entre gays e pessoas trans que beira o absurdo. Homens gays (principalmente brancos), entendam”. Se tu não é mais considerado doente hoje, é porque uma travesti lá atrás botou o peito na frente da bala e disse “não vai ser assim”. Tu, no máximo, foi na Parada pra se pegar com outro gay na multidão achando que tava fazendo revolução. Um beijo na boca e uma selfie com o trio elétrico não é militância. É Carnaval fora de época.
Estamos vivendo o fim do mundo e reagindo com estático no Twitter. Os direitos trans estão sendo revogados. E vocês acham que vão parar por aí? Vão esperar o quê? A revogação do casamento igualitário pra se dar conta que o buraco é fundo e está vindo direto na nossa direção?


Eles não vão parar. Eles nunca param — e nós não podemos nos dar ao luxo de parar de lutar. É um efeito dominó, e não é preciso ser nenhum gênio pra entender: primeiro caem os direitos das pessoas trans, depois os dos gays, em seguida os das mulheres, dos povos originários, dos negros, dos imigrantes. Eles sempre encontram um novo alvo. Porque o homem branco, cis, hétero… ele não conhece a dor. Ele não conhece a guerra. Ele não sabe o que é ter que existir como resistência. Ele fabrica a dor. Ele lucra com a guerra. Ele se alimenta da nossa extinção.
A gente precisa de uma revolução cultural urgente. Cultura é história. E a nossa história, pelo visto, está sendo enterrada, esquecida! A geração atual esqueceu que ser LGBTQIAPN+ é resistência, é sobrevivência. Antes de podermos perguntar ‘oi, você é gay?’, tinhham que perguntar ‘você é amigo da Dorothy?’. Porque era crime ser gay, era crime ser lésbica, era crime ser gente. E ainda é, em 73 países!
Queria estar em Stonewall em 1989. Queria que todos estivessem. Pra entender de onde a gente veio. Que essa história não é separada em lésbicas ali, gays aqui, trans acolá. É uma história só. Porque a porrada, no fim, atinge todo mundo. E quando tudo isso desabar, sabe quem vai continuar falando? O homem, cis, branco, hétero.
E eu me recuso a viver num mundo onde ele é a única voz que resta.









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